Por Karina Younan – A discussão é antiga, vasta. Lendo a obra do cientista David Shenk, “Genialidade em cada um de nós”, encontrei excelentes postulações que podemos observar claramente no processo de educação escolar. O autor afirma: “talento não é algo em si mesmo, e sim um processo. Embora isso não se pareça nem um pouco com o que costumamos pensar. Expressões como: “ele deve ter um dom”, “boa genética”, “talento nato”, indicam que nossa cultura vê o talento como um recurso genético raro, algo que ou temos ou não. Testes de QI, avaliações individuais e a questão das “competências” sistematizam essa ideia, e as escolas desenvolvem seus currículos e provas, baseadas nela.”

Karina Younan
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O paradigma do dom genético se tornou parte essencial da nossa compreensão da natureza humana: nossos genes são o modelo de quem nós somos. São eles que nos tornam indivíduos diferentes ou com habilidades específicas. Apenas isso justificaria a existência de indivíduos diferenciados como Usain Bolt, Katie Ledeck, Mozart, Einstein ou eu e você.

Esta passagem do livro foi bastante significativa para mim:

“Todo o conceito do dom genético é, na verdade, um grande equívoco – tragicamente mantido em voga por décadas a fio por uma série de mal-entendidos e metáforas enganosas. Nos últimos anos, tivemos o surgimento de uma montanha de evidências científicas que sugerem, de forma incontestável, um paradigma totalmente diferente: o que existe não é uma escassez de talento, e sim uma fartura de talento latente. De acordo com essa concepção, o talento e a inteligência humana não se encontram em níveis constantemente baixos, como os combustíveis fósseis, mas sim em níveis potencialmente abundantes, como a energia eólica. O problema não está nos nossos recursos genéticos inadequados, mas na nossa incapacidade, até o momento, de utilizar o que já possuímos.

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Isso não quer dizer que não tenhamos diferenças genéticas importantes entre nós, que geram vantagens e desvantagens. É claro que temos, e essas diferenças trazem consequências profundas. Porém, a ciência contemporânea sugere que poucas pessoas conhecem seus verdadeiros limites, e que a grande maioria delas não chega nem perto de utilizar o que os cientistas chamam de “potencial irrealizado”. Ela também apresenta uma visão profundamente otimista da raça humana: “Não temos como saber quanto potencial genético irrealizado existe”, escreve Stephen Ceci, psicólogo do desenvolvimento da Universidade Cornell. Isso faz com que seja logicamente impossível insistir (como alguns de nós fazem) na existência de uma subclasse genética. A maior parte dos que possuem um desempenho abaixo da média muito provavelmente não é prisioneira de seu próprio DNA; essas pessoas têm sido apenas incapazes de alcançar seu verdadeiro potencial.”

A conclusão é de que não seria possível, nem mesmo razoável, dizer que qualquer um pode fazer ou ser qualquer coisa que quiser, porém, a ciência mostra que é igualmente absurdo pensar que nós podemos saber quais são nossos verdadeiros limites antes de empregarmos nossa vasta gama de recursos e investirmos grande quantidade de esforço e tempo nisso. Nossas habilidades não estão gravadas em nossos genes, elas são flexíveis e moldáveis. E o autor ainda conclui: “Com humildade, esperança e determinação extraordinária, qualquer criança – dos oito aos oitenta anos – pode aspirar à grandeza.”

* Karina Younan é psicoterapeuta formada pela PUC de Campinas e Mestre em Ciências da Saúde pela Famerp