selo-ivanaldo.jpgPor Ivanaldo Mendonça “O que fazer para receber em herança a vida eterna?” perguntou, em tom de provocação, o mestre da lei a Jesus, que retrucou: “O que está escrito na Lei?” “Amar a Deus de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo” responde o letrado. “Faze isto e viverás”, pontua Jesus.

O mestre contra-argumenta: “E quem é o meu próximo?” Como resposta nasce a celebre parábola do bom samaritano, registrada no Evangelho de Lucas (Lc 10,25-37).

O samaritano, considerado inferior pelos judeus, sobretudo por questões religiosas, foi o único a aproximar-se, socorrer e cuidar de um homem, vítima de assalto, que estava caído pelo caminho, contrapondo-se à atitude de um sacerdote e um levita, que passaram pelo outro lado e que, teoricamente, deveriam tê-lo socorrido. Jesus interpela: “Quem foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” O mestre da lei responde: “Aquele que usou de misericórdias para com ele”. “Vai e faz a mesma coisa”, conclui Jesus.

A interpretação literal do texto bíblico leva-nos a conclusões de caráter valorativo que, no máximo, atingem a escala do ‘certo ou errado’. Ultrapassemos, sem perder o sentido e significado da mensagem. A questão apresentada pelo mestre da lei sobre quem seria o seu próximo e o esforço feito por Jesus para esclarecê-la, embora sejam de grande valia, não ocupam o primeiro plano. Salta aos nossos olhos, primeiramente, o nível de questionamento feito pelo mestre da lei, revelando elementos tão humanos e comuns que passam despercebidos.

Considerando que o mandamento do amor a Deus e ao próximo são pressupostos garantes da felicidade eterna; considerando que o interlocutor de Jesus era dotado de relevante capacidade cognitiva, a pergunta “quem é o meu próximo?” evidencia um conflito. Uma vez que o tal mestre da lei não sabe quem é o seu próximo e o mandamento maior ensina a amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, dispomos de elementos suficientes para concluir que aquele homem não sabia quem ele era, não amava a si e, por conseguinte, não conseguia identificar e amar o próximo. Estamos diante de uma crise existencial, humana e espiritual.

A ausência de percepção de si (autoconsciência) conduz-nos a ausência de percepção do outro (alteroconsciência), reforçando a incapacidade de enxergar, aproximar, tocar, ajudar, colocar-se no lugar e reconhecê-lo como próximo. A fuga deste confronto interno faz-nos incorrer em erros como transferir responsabilidades a outros ou forçar a relação valores-comportamentos com status-funções, como se, obrigatoriamente, o sacerdote e o levita, fossem dotados de sensibilidade e maturidade, para socorrer o homem caído. Damos, para o problema, uma solução ideal, não real.

Somos desafiados! Simplesmente emitir juízo de valor nos conduz a faltar com amor e misericórdia para com os outros e para conosco mesmos, uma vez que este limitado caminho ou ‘pune’ ou ‘absolve’, sem considerar as variáveis.

A capacidade de identificar e amar o próximo está intimamente ligada à capacidade de identificar-se, saber quem se é, amar-se Nesse caminho deixaremos de perguntar por ‘quem é nosso próximo’ e nos faremos próximos, antes de tudo. A dificuldade de saber quem é o meu próximo é reflexo da dificuldade de saber quem eu sou.

Ivanaldo Mendonça

Padre, Pós-graduado em Psicologia

ivanpsicol@hotmail.com