Por Ivanaldo Mendonça — A proposta do período quaresmal compara-se á subida de uma escada. Cada semana equivale a um degrau; a Páscoa, ponto mais alto desta subida, celebra o evento central da fé cristã: paixão-morte-ressurreição de Jesus. Oração, jejum, esmola e penitência são combustível nessa jornada. O caminho percorrido até agora: resistir a tentação, viver na graça de Deus e testemunhar o amor, exige, um novo passo.

A quarta semana da quaresma desafia-nos: testemunhar a libertação. Auxilia-nos a passagem do cego de nascença, registrada no Evangelho de João (Jo 9,1-41). Jesus avista um homem, cego de nascença, mendigo; aproxima-se, molha a saliva no barro, passa em seus olhos, pede que vá lavar-se, dando-lhe a visão. O ocorrido escandaliza: é sábado; autoridades não reconhecem a ação de Deus em Jesus; vizinhos e familiares do que fora cego tiram o corpo fora; o curado, pressionado, é expulso da comunidade.

Notemos! Entre ‘devolver’ e ‘dar’ a visão existe grande diferença. Jesus dá a visão! Quem enxergou não perde totalmente as referências; quem nunca enxergou não tem referencias. Aquele homem não tinha referencia alguma! A dúvida dos discípulos: “Quem pecou para que nascesse cego? Ele ou seus pais?” é como a dúvida dos que, diante de situações similares, tendem a buscar sempre um culpado. Jesus é enfático: ‘Nem ele, nem seus pais pecaram’.

Para além da limitação física, a cegueira de nascença compara-se ás marcas que trazemos, desde sempre e, diante das quais respondemos: ‘nasci assim’, ‘sou assim’, resposta que, inclusive, justifica erros, delitos, excesso e omissões. A luz da graça de Deus, ultrapassemos o ‘sou assim’, perguntando-nos ‘porque sou assim?’, buscando identificar as marcas de nascença, que nos impedem de viver com dignidade, de sermos, verdadeiramente felizes.

Males e limites de nascença remetem-nos ao ventre materno-paterno, ao como fomos gerados e o quando de sentimento positivo nos foi dispensado. Sobre tais marcas elencamos: 1. Rejeição: os gerados na rejeição adotam como modo de viver o vitimismo. 2. Agressividade: os gerados na agressividade vivem violentamente, não sabem reagir de outra fora. 3. Indiferença: os gerados na indiferença vivem passivamente, na submissão. 4. Mal-amor: os gerados no ‘mal-amor’, revoltados, abraçam a dependência, da emocional à química.

Nossa cegueira pode ter origem numa destas causas. O que nos parece tão normal; o que outros elegem como nossos defeitos; o que nos faz buscar e sentirmo-nos culpados; o que nos faz cegos; o que nos torna mendigos… O que, aos olhos humanos, parece impossível de cura e libertação, pede, como resposta e remédio, a graça de Deus. Jesus Cristo não apenas devolve, mas dá a visão, porque é Deus, vem de Deus; é luz, porque vem da luz.

Permitamo-nos ser alcançados pela luz amorosa do amor de Deus! Ofereçamos nosso testemunho de libertação como sinal, para que também, tantos outros, cegos de nascença ou não, deixem-se ser tocados por este amor que não passa, por essa luz que não se apaga. Testemunhemos o amor! Caminhemos para a Páscoa!

Ivanaldo Mendonça

Padre, Pós-graduado em Psicologia

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