Amavisse. de Hilda Hilst

“Tenta-me de novo

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas,
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo, prazer, lascívia.
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.”

O mundo, na era digital, resolveu passar a limpo os erros das penas e das máquinas de escrever em textos que pelos “digital influencer” nunca foram lidos.

O que mais se vê hoje em redes sociais são opiniões fundamentadas em conclusões atuais aplicadas a fatos pretéritos.

O carnaval é uma fonte de riqueza geradora de emprego e divisas, sem contar ser o maior patrimônio imaterial cultural e folclórico de nosso país.

Daí se ouve questionar se ele deve receber verba pública ou não? A questão não deveria ser, se a aplicação da verba pública no carnaval teve custo-benefício, multiplicando-a em empregos e impostos?

A crítica por criticar é perigosa e distorsiva.

A Igreja Católica deve ser extinta por seus padres pedófilos? Óbvio que não. A exceção só pode gerar regra ao ignorante. Como instituição ela fez muito mais bem do que mal.
Devemos voltar ao passado e julgar o Papa Eugênio IV que ordenou queimassem Joana Darc? Obviamente que não, o erro foi reconhecido e o crédito é do Papa que a canonizou.

Marielle foi homenageada e seu motorista não? Óbvio é assim, tem que ser. Certa ou errada, Marielle se expôs e deu a vida por sua bandeira. Se fosse insignificante não teria sido assassinada em crime premeditado. O motorista, homem de bem e tão importante como ela como ser humano, no caso, morreu por acidente, por estar ali na hora. Se fosse eu ou você o motorista teríamos sido mortos e, de fato, razão não há pra que sejamos homenageados. Respeitado sim, como homem e pai de família que em seu labor foi vítima da crueldade perpetrada contra sua conduzida. Porém, ele não ergueu bandeira alguma, apenas, por um fatalidade, foi vítima, como tantos outros são de balas perdidas e questões que em nada a eles se coadunavam.

Reler o passado com o julgamento do presente é uma atitude trazida pelas redes sociais, que levaram a informação aqueles que não a detinham quando o mundo “falava” por jornais e livros.

A se ver nesta ótica, os hospitais precários de Madre Tereza mudariam o julgamento de sua obra de ‘santa para assassina’. Ora, era o que ela dispunha naquela época, passar o passado a limpo é como tentar aplicar o aquecimento solar ao general inverno que derrotou Bonaparte. Hoje não morreriam mais, as nevascas são menos frequentes e os sistemas de aquecimento mais eficazes e mesmo com todo o empenho destrutivo dos russos não atingiriam seus objetivos.

Passar a limpo é tão útil quanto discutir a vida sexual de seus pais e amigos. Você pode até agitar sua parcela de mesquinhez, mas, não passará disto.

É preciso muito cuidado para não enveredar na informação sem antes ter certeza de que se está apto a não julgar os poemas eróticos de Hilda Hilst como se fossem pornográficos, pois você pode perder pérolas e ainda levar consigo uma legião de ignorantes que nunca ouviu falar de uma das maiores poetisas feministas brasileiras do século passado. Tem gente que acha que feminismo é por a teta de fora na paulista e pensando assim ficará alienado de pensamentos como este:

“Quem és? Perguntei ao desejo.

Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.” Hilda Hilst

E que se não passe Hilda a limpo, terminado, vamos a ela e refletindo se vale mais fazer um futuro de desejos brilhantes que o tempo fará pó pela sucessão inteligente da escala do progresso, ou secos, de saida, nos deixarmos o desejo e lava, pra ir direto ao pó. Espero que não, eu, pelo menos, me recuso a morrer em vida, prefiro a metamorfose erótico-amorosa de amavisse, terminando ….. “Ou tenta-me de novo. Obriga-me.”

  • Caia Piton é advogado e empresário