Por Ivanaldo Mendonça — A cada semana do tempo quaresmal intensifica-se o caminho que conduz á celebração da Páscoa. A cada passo, ecoa mais fortemente o apelo á conversão, á mudança do coração e da vida. Interessante notar: o mesmo Deus que conclama cada homem e toda a humanidade á conversão estende a mão, a todos e cada um, para que este processo seja vivido sob o amparo de Sua graça. Reportemo-nos á criança que aprende a dar os primeiros passos: os pais a estimulam e desafiam, ao mesmo tempo em que protegem e amparam; diante das quedas estão prontos a socorrer e afagar.

A experiência quaresmal favorece-nos perceber, reconhecer e experienciar a profunda comunhão existente entre o apelo á conversão e a graça da misericórdia, evidenciando características e atributos próprios do agir pedagógico do Deus-Amor que Jesus revela a humanidade, através do mistério de Sua paixão-morte-ressurreição, o mistério pascal, atualizado ao longo dos tempos. O agir de Deus manifesto em Jesus Cristo contrapõem-se aos modelos pré-estabelecidos, surpreende-nos sempre e cada vez mais.

O teor desta proposta de reflexão evidencia-se, sobretudo, pela força da Palavra de Deus, que é sempre viva e eficaz. Auxilia-nos, neste sentido, a passagem do Evangelho popularmente intitulada de ‘a mulher adúltera’ (João 8,1-11), segundo a qual, uma mulher pega em flagrante adultério é levada a Jesus.

Com o propósito de encontrar caminhos para acusá-Lo de subversão, confrontam a atitude da mulher com a lei que previa, para tais casos, o apedrejamento. Se Jesus apoiasse a mulher estaria errado, se Jesus apoiasse a lei entraria em contradição; parecia não haver saída.

Diante da acusação e do pecado impera o silêncio. Não o silêncio mudo e indiferente, mas, o silêncio expressão de sabedoria. Jesus põe-se a escrever ao chão e, segundo uma antiga tradição, escrevia os pecados dos acusadores da mulher que, um a um, retiraram-se, até que ficasse Ele e a mulher, a miséria e a misericórdia como tão bem ilustra Santo Agostinho comentando tal passagem. “Ninguém te condenou? Nem eu! Não peques mais!” Sem muitas palavras, esta passagem faz aflorar a profunda relação entre conversão e misericórdia.

Ultrapassemos o reducionismo que aprisiona o sentido da mensagem bíblica ao ‘certo ou errado’, ‘isso ou aquilo’. Tanto á mulher quanto á seus acusadores, o agir de Deus permite vislumbrar possibilidades e oportunidades.

Bem poderia Jesus expor, publicamente, os pecados dos que tramavam apanhá-Lo. Imperam silêncio e não acusação, assim como para com a mulher. Deus não se contenta com a perdição de Seus filhos. Este Deus de possibilidades e oportunidades, a acusados e a acusadores, conclama-nos: “Ninguém te condenou! Vá! Não peques mais!”

Padre, Pós-graduado em Psicologia
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