Por Ivanaldo Mendonça — A célebre parábola do bom samaritano ilumina nossa reflexão (Lucas 10,25-37). Após evidenciar o mandamento do amor a Deus e ao semelhante, como caminho para alcançar a vida eterna, baseado na lei mosaica, Jesus responde a um mestre da lei sobre quem seria seu próximo, valendo-se da ilustração segundo a qual um sacerdote e um levita passam pelo homem que fora assaltado, caído á beira do caminho, e o ignoram, enquanto um samaritano sente compaixão e socorre. A obviedade de que o samaritano está certo e os demais estão errados prescinde da fé, pois o texto fala por si.
É possível e necessário mergulhar mais profundamente no sentido da Palavra, assim como permitir que ela nos abrace, movimento possível, unicamente, sob a guia da oração sustentada pelo Espírito Santo; é Ele quem nos permite ir além da letra, aprofundando o sentido das Escrituras. Clamemos esta luz!
Jesus confronta seu interlocutor com a lei da qual era tido como mestre. A surpresa está em que o membro de um povo tido pelos judeus como inferior, sobretudo, por questões religiosas, mostra-se mais sensível á dor alheia que os ministros sagrados. Jesus inverte a lógica, abrindo, a todos, representados pelo samaritano, o acesso á Deus.
De forma prática, reconheçamo-nos, antes de tudo, como o caído ao chão. Sim! A intimidade com Cristo faz-nos tomar consciência acerca de nossas misérias, diante das violências que a vida nos proporciona e ás quais cultivamos, permitindo-nos ser socorridos pela misericórdia de Deus, manifesta, sobretudo, pelas mãos dos que nos socorrem cotidianamente. Somos desafiados, antes de tudo, a deixarmo-nos ser alcançados pela ternura de Deus, através dos outros.
Lancemos, igualmente, um olhar de misericórdia sobre o sacerdote e o levita. Sim! Como poderiam eles, educados e oficialmente reconhecidos como responsáveis por fazer prevalecer o regime da lei, fruto da compreensão da imagem de um deus punitivo e vingativo, agir de forma diferente? Impossível! Tenhamos presente o quanto as pessoas reproduzem, naturalmente, a cultura na qual são geradas. Compreender não significa concordar; o algoz também é digno de compaixão.
O olhar de Jesus, supera tanto o legalismos judaico quanto revanchismo samaritano. Lembremo-nos do episódio segundo o qual Jesus, indo para Jerusalém para num povoado samaritano e ali não é aceito. A proposta de Jesus é revolucionária em todos os sentidos, possibilitando-nos reconhecê-Lo como o inaugurador de um novo tempo e,sob este prisma, renomear a passagem como a ‘parábola do cristão’. Suprima-se o adjetivo ‘bom’; a possibilidade de existir um mau cristão está descartada; ou se é bom, ou, não se é cristão.
O cristão é, antes de tudo, alguém que foi, é, e sempre será necessitado/socorrido pela misericórdia de Deus; por isso, põe-se a socorrer e amar a todos o quanto encontra pelo caminho da vida, fazendo-se próximo. Sejamos, verdadeiramente, cristãos, discípulos-missionários de Jesus Cristo!
Ivanaldo Mendonça
Padre, Pós-graduado em Psicologia