Por Ivanaldo Mendonça – Na infância, as festas de final de ano eram marcadas por um momento especial: o dia de pintar a casa. A família reunida, cal e água misturados a vários litros de tinta, brocha na mão e a festa começava. Em poucas horas a velha casa ficava novinha em folha. Mas, as chuvas de janeiro logo revelavam a verdade. Chorava, vendo a tinta escorrer pelas paredes e, com ela, a alegria ir embora.

A casa não ficava nova, era disfarçada, reformada. O início de um novo ano reaviva o anseio por recomeçar. Prometemos a nós mesmos mudar o comportamento, praticar exercícios físicos, ler mais, iniciar um curso, chegar ao trabalho bem-humorado, ser voluntário, praticar a religião, ser mais carinhoso…

Para muitos, isso não passa de empolgação, uma brevíssima fase. Logo, tudo volta a ser como antes; angústia e sensação de fracasso terão a última palavra. Resta aguardar o próximo janeiro.

Na rotina do constante recomeçar contrastam a alegria por ver a casa nova e o desespero ao perceber que tudo não passou de ilusão. Embora os propósitos sejam nobres, não conseguimos torná-los realidade por insistirmos em, simplesmente, reformar a casa.

A novidade da casa nova, do carro novo, de mais um diploma, da viagem dos sonhos, do novo corte de cabelo passa, e voltamos a ser os mesmo de sempre. Cai o disfarce de felicidade e logo a velha casa expõe suas rachaduras, paredes tortas, infiltrações…

O ser humano necessita Ser restaurado. Restaurar uma obra exige tempo, empenho, investimento e comprometimento. A atenção e delicadeza do restaurador são fundamentais no processo de resgate da originalidade. As camadas de tinta, fruto das muitas reformas, uma a uma, vão sendo removidas, vagarosamente.

Em nós, humanos, o processo dói e incomoda; resgata o passado, vivências, alegrias, traumas, vitórias e perdas; coloca-nos diante dos acertos e erros, excessos e omissões; desperta saudade, gera angustia.

Ser um Ser restaurado é um desafio proposto a todos, aceito por poucos. Boa parte das pessoas contenta-se em viver de aparências, constantes reformas, na tentativa de disfarçar a realidade. Resultado: frustração.

A quem se esforça por viver o constante processo de restauração as exigências são muitas, porém, assumidas consciente, livre e responsavelmente. Resultado: felicidade, auto-realização, disposição para Ser e fazer a diferença para melhor.

Este processo tem começo, mas não tem fim. É contínuo, necessário, ardoroso, compensador, renovador, restaurador.

Ousemos Ser restaurados!

Ivanaldo Mendonça, Padre, Pós-graduado em Psicologia

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