DA REDAÇÃO — O Diário entrevistou, em sua residência, André Luiz Nakamura, advogado e autor do livro Espíritos Vadios, que oferece um mergulho profundo nas experiências que moldaram tanto sua visão de mundo quanto sua obra. Com uma carreira de mais de 20 anos como Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Olímpia e uma forte ligação com o Folclore, ele compartilha como suas vivências pessoais e profissionais influenciaram sua incursão no universo da ficção. Superação, doença, morte, depressão e terapia.

Confira a entrevista na íntegra:

Inspiração por trás da Trilogia e a Consciência da Morte

A escrita de Espíritos Vadios surgiu em um momento de resguardo e introspecção. Durante uma licença médica em 2019, após enfrentar uma depressão severa, André encontrou na escrita uma forma de lidar com o que chama de “consciência da Morte”. Ele explica: “A consciência da Morte não é medo, é saber que ela existe, que está ao meu lado.” Esse sentimento foi intensificado pela pandemia, período em que enfrentou a perda da mãe, dona Antônia, e de diversos amigos e familiares. “Minha mãe, especialmente, foi a maior perda que já tive”, desabafa.

A pandemia trouxe um período de luto e distanciamento que o afastou da ideia inicial de publicar a obra. “Parei, ficou engavetado”, relata. Porém, ao retomar o projeto, sentiu que era o momento certo para lançar o primeiro volume da trilogia, Antros de Raposas, composto ainda por Fogo na Fornalha e Carcaças de Feras. “O autor nunca acha que o livro está pronto, mas decidi publicar, porque percebi que não há tempo a perder.”

Realidade e Ficção: A Trama de Espíritos Vadios

A trilogia Espíritos Vadios mistura personagens excêntricos e uma trama recheada de sátira e crítica social. André esclarece que seu intuito é divertir o leitor, apresentando um cenário onde “não há heróis nem vilões tradicionais”. Segundo ele, os personagens são ambíguos e complexos: “Não existem mocinhos e donzelas esperando para serem salvos, todos são perigosos de alguma forma.”

Ambientada em cidades fictícias do Nordeste brasileiro, a história se desdobra com referências marcantes à cultura popular, como o cangaço, o frevo e o maracatu. André menciona que sua forte ligação com o folclore influenciou diretamente a escrita, permitindo que as manifestações culturais e as lendas permeassem a narrativa. “Mesmo sem querer, acabamos expressando muito do que vivemos e aprendemos. A cultura popular é muito presente, como no uso de lendas e no imaginário que se manifesta entre os personagens.”

A narrativa de Espíritos Vadios não segue uma linha temporal fixa. André adota uma estrutura de flashbacks que exigem do leitor uma maior atenção, refletindo o próprio pensamento humano, que alterna entre o passado e o presente. Ele define essa escolha como um modo de “espelhar a forma como pensamos e vivemos hoje, especialmente com a exposição nas redes sociais e a fragmentação das histórias de vida.”

O processo de escrita: terapia e reflexão

Para André, a escrita foi uma espécie de catarse, um processo terapêutico para lidar com as adversidades e com a dor das perdas recentes. Ele compara a construção da obra a uma gestação, “mas não um parto normal, e sim uma cesariana que sempre requer um ajuste aqui, um retoque ali.” Ainda que tenha demorado para retomar o projeto após o luto, ele percebeu que transformar o trauma em algo cômico seria a melhor maneira de seguir em frente. “A melhor forma de enfrentar as adversidades é escrachar, brincar com as situações.”

Essa postura se reflete na própria essência do livro, que, apesar de abordar temas sérios como corrupção e poder, utiliza um tom de deboche para tratar dos dilemas morais dos personagens. “A ideia é entreter, fazer rir, mesmo que isso envolva uma crítica velada às contradições da sociedade. Porque rir, como dizem, é a melhor forma de cura.”

As Influências do Professor Sant’anna

Uma figura central em sua formação é o professor José Sant’anna, um renomado folclorista e parente próximo. O ‘pai’ do Festival de Folclore de Olímpia. André descreve o professor como alguém que “era um grande conhecedor da língua portuguesa e da cultura popular, tanto da literatura clássica quanto da de cordel.” Foi essa convivência que despertou em André o interesse por lidar com textos, levando-o a se aventurar na escrita ficcional. “Eu costumo dizer que ainda converso com ele, imagino o que ele pensaria em certas situações.”

Ao falar da transição de advogado e procurador jurídico, editor e jornalista para autor de ficção, André admite que foi um processo desafiador. Acostumado a lidar com textos técnicos do Direito e artigos sobre Folclore, aventurar-se na narrativa foi um passo ousado. “Foi algo novo, mesmo tendo começado lá em 2017, quando a ideia surgiu. Eu nunca tinha trabalhado com ficção, e a oportunidade de criar algo do zero foi libertadora.”

Sobre o futuro, ele ainda não pensa em novos projetos além da trilogia. “Acho que tenho que terminar esse ciclo antes de começar a pensar em outra coisa.” No entanto, André mantém viva a expectativa de que o seu trabalho como autor possa trazer uma nova fase, tanto pessoal quanto profissional. “É uma terapia que me ajuda a lidar com o que a vida impôs.”

As duas versões: livro digital e impresso

Depois de lançado em formato digital, Espíritos Vadios agora ganha uma versão impressa. André acredita que, apesar da popularidade dos e-books, há ainda um público fiel ao livro físico: “Muita gente ainda quer sentir o cheiro do papel, folhear as páginas.” A versão impressa, distribuída pela editora Salva, do Rio de Janeiro, é uma aposta para alcançar um público mais amplo. “As pessoas que conheço me cobraram a versão impressa, e espero que gostem do resultado.”

André Luiz Nakamura se mostra otimista com essa nova fase de sua vida, mas sem perder a leveza que sempre o caracterizou. Entre risadas e lembranças de tempos difíceis, ele encontra um equilíbrio entre a seriedade de quem já enfrentou grandes desafios e a vontade de continuar a criar, seja no universo do folclore ou no mundo ficcional. “Eu espero que Espíritos Vadios traga um pouco de alegria para os leitores, porque, no final das contas, rir ainda é o melhor remédio.”

A entrevista com André deixa claro que sua obra não é apenas uma manifestação criativa, mas um reflexo de sua trajetória de vida, de lutas e superações, marcadas por perdas e pela busca por significado. A trilogia promete ser mais que uma simples leitura, mas uma experiência que convida o leitor a refletir e, ao mesmo tempo, se divertir com as ironias da vida.

Sobre o Autor

André Luiz Nakamura, advogado, foi Coordenador Geral do Setor de Folclore, presidente de comissões de licitação e de concursos e, entre outras funções, exerceu as do cargo de Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Olímpia por mais de 20 anos, também graduado em Letras, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, com pós-graduação em Direito Administrativo Municipal, Diretor Executivo e de Edição do Anuário de Folclore de Olímpia, SP, por 20 anos, em que publicou diversos artigos, a exemplo de “Lendas Urbanas”, “O povo falando de Amor”, “Misticismo, Religiosidade Popular e Medicina Folclórica”, “A danada da cachaça mais os bêbados e as bebedeiras”, e, entre outros, “A chupeta do capeta e outras mais tabaquices e baforadas”.

Aventurou-se na ficção com a trilogia “Espíritos Vadios”, cujo primeiro volume, “Antros de Raposas”, já está disponível. Em breve, os dois volumes seguintes também estarão: “Fogo na Fornalha” (II) e “Carcaças de Feras”, o terceiro volume.

Serviço

Trilogia Espíritos Vadios

ESPÍRITOS VADIOS

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