Por Ivanaldo Mendonça — Uma vez que nossas ideias e concepções são mediadas pelas experiências acumuladas ao longo de nossa história, produzir, reproduzir e projetar tais vivências é natural, involuntário e, dizem os psicanalistas, inconsciente. Trazemos gravado marcas tão profundas que, o passar do tempo e o processo de desenvolvimento, sobretudo, das faculdades mentais, construiu a idéia de que tais marcas sempre foram nossas, constituem nosso jeito de ser, caracterizam nossa individualidade.

Não nos damos conta de o quanto fomos, somos e seremos influenciados, em todos os sentidos e dimensões. Consideremos, por exemplo, a formação da personalidade humana, resultante da somatória de duas realidades: hereditariedade e caráter. Enquanto a hereditariedade resulta da herança biológica de nossos genitores, o caráter resulta do que recebemos e experimentamos na família, cultura, educação, padrões de comportamento, modelos de relacionamento, etc. Há quem defenda que recebemos tais influencias desde a concepção.

Somos resultado do processo da combinação de fatores internos e externos, familiares e estranhos a nós; sendo assim, nossas ideias, concepções, valores, opiniões e escolhas não são tão nossas. Mas seria radical abraçar, exclusivamente, a teoria do condicionamento, que nos eximiria de toda e qualquer responsabilidade, tornando-nos, filhos do tão famoso destino.

O processo de desenvolvimento possibilita-nos entrar em contato com realidades, experiências e vivências que, mesmo comuns a muitos, adquirem significado e sentido exclusivos a nós. Á medida que tomamos consciência, adquirimos conhecimento, desenvolvemos potencialidades, tornando-nos hábeis, e fazemos escolhas através de atitudes próprias, numa linha de continuidade-descontinuidade, rompemos com o que éramos a partir de outros, assumindo ser a partir de nós mesmos.

Assim percebe-se e compreende-se que ‘filho de peixe pode ser peixinho’ mas pode ser qualquer outra coisa. Temos a oportunidade de refletir acerca de muitas realidades e situações ás quais estabelecemos, previamente, determinada lógica e sentido que, teoricamente, não poderiam ser contrariados e que, de repente o são. Somos também desafiados a superar aquela dose razoável de preconceito sobre pessoas e situações diversas que nossos esquemas mentais, convenções grupais e sociais não se permitem acolher e reconhecer.

Somos seres em construção! Nisso reside nossa beleza e exclusividade em relação ás demais criaturas que, por mais influencias que recebam, carecem de autonomia na capacidade de refletir e decidir sobre aquilo que foram, são e desejam ser. Ser em construção desafia-nos a um contínuo processo de desenvolvimento e, mais ainda, aguça nosso desejo e comprometimento por tornarmo-nos melhor, consciente de que não somos sozinhos, não somos só para nós e, por isso, também, em continua construção enquanto humanidade, família humana.

Ivanaldo Mendonça

Padre, Pós-graduado em Psicologia

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