Por Ivanaldo Mendonça – O complexo de autopreservação consiste num dos fenômenos mais prejudiciais á humanidade de maneira geral, a cada pessoa de, maneira particular, e aos relacionamentos, em todas as dimensões. Certamente, não nos referimos ao instinto de autopreservação, garantidor da perpetuação das espécies, mas, sim, á tentativa de resguardar-se ou proteger-se, assumindo a postura de esquiva ou negação de elementos fundamentais á vida e existência humana.

Na tentativa de solucionar conflitos e problemas, esquivamo-nos de enfrentamentos necessários, negando a realidade objetiva, a partir de referenciais estritamente individuais e ideológicos, assumindo, permanentemente, o ataque, como justificativa. O fechamento faz morrer, a agressividade faz matar. Não raro, somos abordados por questões impactantes, em maior ou menor grau, que, embora, manifestem sintomas distintos, trazem, consigo, esta verdade como pano de fundo: a autopreservação enquanto fechamento para a vida e o viver.

A passagem bíblica popularmente conhecida como parábola dos talentos auxilia-nos na compreensão deste fenômeno (Mateus 25,14-30). Antes de viajar, o patrão entregou a cada funcionário aquilo que seria capaz de multiplicar, de acordo com sua capacidade. Ao regressar, o acerto de contas rendeu a cada funcionário capaz de multiplar os valores recebidos, o dobro do que conseguira. Quanto áquele que, justificando-se com mil razões enterrou o talento, além de perder o que recebeu, mereceu o castigo eterno.

Existência humana é sinônimo de abertura; exigência para lograr êxito é ser capaz de doar-se e acolher. Somos criaturas semelhantes ao Criador que se doa, sai de Si, é comunhão; nossa vida e existência, antes de tudo, é doação, de maneira que, fechando-nos á vida e seus processos, abortamos o potencial de realização que habita em nós, tanto pessoal quanto coletivo. Nenhuma razão humana é suficiente para negar a própria humanidade e, quando insistimos neste caminho, negando-nos a nós mesmos, padecemos.

Faz-se urgente resgatar, do mais profundo de nós, o sentido primeiro da existência, a ser empunhado como causa irrenunciável e inegociável, porque, inerente ao humano e sua realização. A abertura coloca-nos em risco, pois não nos permite estar sempre prontos, preparados e armados em relação ao que encontraremos. Nisso consiste a beleza da vida e existência, estado permanente de doação-acolhimento, superação de tensões, busca de entendimento na liberdade dos corações.

Da autopreservação à abertura: passagem necessária.

Ivanaldo Mendonça
Padre, Pós-graduado em Psicologia
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