Por Ivanaldo Mendonça — A emblemática passagem bíblica conhecida como ‘o rico opulente e o pobre Lázaro’, registrada no Evangelho Segundo Lucas (Lc 16,19-31) possibilita-nos refletir acerca de realidades muito presente em nós e entre nós. Após descrever a ostentação do rico e a condição subumana de Lázaro o texto explicita: “Quando o pobre morreu os anjos levaram-nos para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado”. Enquanto Lázaro é confortado, o rico, atormentado, clama por misericórdia.

Aprofundar o sentido desta catequese sobre a vida cristã exige de nós superar o amadorismo que, simplesmente, emite sentenças, assim como a tentação de nos deixar levar por ideologias. O fator preponderante desta passagem não está em ‘ser rico’ ou ‘ ser pobre’ materialmente, mas sim, na forma como a posse ou carência de recursos materiais é administrada. O texto não apresenta o perfil dos personagens; estão descartados extremismos do tipo ‘todo rico é ruim e todo pobre é bom’.

Salta ás letras o considerável grau de insensibilidade expresso na postura do opulente que sequer tomou conhecimento de que alguém, necessitado, estava á sua porta. Para além de comportamento isolado, a indiferença assume, cada vez mais, o status de cultura e, atingindo todas as esferas da vida, instala-se como uma maneira de ser, pensar, sentir, falar e agir, profundamente marcada por ignorar o outro, seja quem for, mas, de maneira particular, aquele que sofre.

Consideremos, pois, os dois tipos de mendicância apresentados: a fome do pobre e a fome do rico. Se a fome do pobre é de pão, a do rico é de sentido. O Papa Francisco cita, constantemente, dois tipos de periferias: as geográficas e as existenciais. Enquanto Lázaro engrossa o caldo dos milhares de condenados á exclusão social, o rico, sem nome, soma-se aos milhares que, por fora esbanjam beleza e, por dentro, sucumbem no vazio existencial, com seus tantos nomes e sintomas.

Somos desafiados a assumir e arcar com aquilo que a cultura da indiferença produz e joga ás portas das casas, sociedades e corações. Reconhecendo-nos, por tantas razões, necessitados também, consideramos a dignidade do outro, para além de quaisquer questões. Nesse sentido, ser rico ou pobre materialmente torna-se secundário; trataremos de superar o que subsidia a injustiça social e cultivaremos valores que, verdadeiramente, nos tornem ricos do que não pode ser comprado ou vendido, ricos de ‘ser’.

Ivanaldo Mendonça

Padre, Pós-graduado em Psicologia

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